Continuous, entire, universal, long lasting.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Capítulo IV

- Vamos nos mudar!

Foi com essa frase, dita a plenos pulmões, parecendo que havia ganhado na Mega-Sena (para o Filho, na verdade, que à essa época não entendia muito desses jogos de azar permitidos, parecia algo ainda melhor: que o Brasil havia ganhado a Copa do Mundo mais uma vez!), que o Pai entrou em casa, uma bela tarde de outubro, carregando uma papelada de todas as cores.

Filho não foi capaz de compreender toda a dimensão por trás de uma frase tão simples. Achou que tudo continuaria da mesma forma. Ou melhor, não achou nada; nunca parou para pensar no assunto. Afinal, outras preocupações eram bem mais prementes em sua vida: a tarefa de casa, o futebol no final de tarde e os desenhos já o ocupavam bastante.

Desse modo, a vida seguiu seu curso normal.

No entanto, logo nos primeiros meses, a impressão inicial de que “é, se mudar é a mesma coisa de permanecer” foi-se dissipando. E o pior: de neutra, a opinião passou a ser negativa. Continuava sem entender as conversas entre os pais, cheias de valores, uns tais de financiamentos e bolões; porém, a linguagem corporal e facial é apreendida desde cedo, e os cenhos franzidos e rugas de preocupações transmitiam a aflição que atormentava seus pais.

Foi criando uma aversão cada vez maior à mudança. E olha que nem reparou no corte do telefone, nos frangos cada vez mais freqüentes e na maior durabilidade das suas roupas! Mas não entendeu quando teve que deixar a escolinha e, sempre que perguntava à Mãe, a resposta era a mesma:

- Mas, Filho, é que vamos nos mudar...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Homenagem póstuma

No leito de morte, estava inclinado a obedecer ao clichê. Aquilo o corroía por anos, e nunca soube como contá-lo à Alvinha, pois tinha certeza absoluta que ela perderia as estribeiras, já que seu ciúme doentio não era segredo. Sempre adiara a conversa. Até aquele momento. Afinal, tudo se perdoa a um morto, não é mesmo? E ele já nem tinha tanto tempo assim.

Acontece que eles tinham um casal amigo, Bernardo e Julieta - aquele casal com o qual sempre iam a restaurantes, viagens, cinema. Que não perdia um aniversário, que sabia todas as datas festivas, que sempre eram os primeiros a parabenizar e ligar em qualquer ocasião. Que tinham a chave de casa para qualquer eventualidade. Que eram conhecidos por todos como os futuros padrinhos de seus filhos.

Mas - e aqui entra mais um clichê, o do mas - veio aquele acontecimento. O fatídico. O impensável. O até então não revelado. E que passou a lhe acompanhar diariamente.

Os casais estavam mais unidos do que nunca. Ligações diárias, saídas semanais, as mulheres fazendo compras juntas, os homens vendo futebol e tomando a sagrada geladinha...

Pobre Alvinha! Nunca teve o menor indício. Também, pudera! Já pensou o escândalo que seria? Sempre viveram tão bem...

Pensando assim, será que valia a pena contar? Ele iria partir; já ela permaneceria, com aquela ideia eternamente a atormentá-la. Não, era melhor silenciar. O que ele ganharia com isso?

De repente, a pontada e o clarão. De uma vez, resolveu falar - não se sabe se voluntária ou involuntariamente, só que simplesmente saiu:

- Alvinha, uma noite eu sonhei com a Julieta...

E não conseguiu dizer mais nada.

No mês seguinte, já era fato notório o escândalo. Alvinha e Bernardo. Há cinco anos.