Continuous, entire, universal, long lasting.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Medo de 2022


"Até bem pouco tempo atrás, poderíamos mudar o mundo. Quem roubou nossa coragem?"

Primeiro de junho de 1962. O jovem Epaminondas está eufórico; afinal, depois daquela Conferência Extraordinária (que foi mesmo extraordinária - ou do balacobaco, como gosta de falar), essa será a primeira ação de grande vulto da juventude comunista brasileira. Sim, é óbvio que já houve outras ações anteriormente; mas essa promete bem mais. É consideravelmente maior, sem contar que todos os seus amigos estão bastante engajados na luta. Quem sabe o que os espera? O que o futuro reserva a eles?
Reúne-se com seus amigos. Conversam sobre um certo Guevara, um já bastante comentado Castro. Por bem ou por mal, Kruschev também é um nome bastante lembrado na rodinha. Ah, e é óbvio que não se pode esquecer daquele. É, ele mesmo; o grande responsável por difundir o espectro vermelho que assombra o mundo. Quatro letrinhas que traduzem uma ideia resumida em uma única palavra, mas que atrai a ele e a todos os seus amigos vermelhos: Marx. Também há Engels, claro; mas não é tão comum falar-se em engelismo, ao contrário do marxismo, palavrinha proibida pós-Revolução Cubana.
Até o fim do ano, envolve-se com amigos católicos, tendo, inclusive, sido membro da Juventude Universitária Católica (abaixo a ditadura!); participa da greve geral nacional (vamos parar o país!); e resiste por três meses na greve do um terço, paralisando quase todas as quarenta universidades brasileiras. E agora, quem tem a força?
Infelizmente, quem tem a força é a direita. E a ditadura (opa, perdão pelo exagero nesta folha) se instaura no país, durando quase vinte e cinco anos.

...

Sete de setembro de 1972. O adolescente Edson acompanha, atentamente, a parada militar em comemoração ao sesquicentenário da independência brasileira, ostentando um cartaz, feito à mão, que apresenta apenas uma simples interrogação - nada mais, nada menos.
No entanto, isso é o bastante para tornar clara a sua opção: dentre as alternativas oferecidas, opta pela segunda delas e deixa o país, passando, desde então, a ser um exilado em Montevidéu.

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Quinze de novembro de 1982. Mário não desgruda os ouvidos das conversas dos mais velhos. Quer descobrir em quem eles vão votar. Afinal, apesar de a censura ter impedido a exibição de "Pra Frente Brasil", o país vive um clima de abertura política; tanto é verdade que hoje é dia de eleições para governador (quem poderia imaginar isso anos atrás?)! Uma vitória daqueles que tanto lutaram - e Mário pode se considerar um deles.
Percebe, então, que as bombas em bancas de jornal não foram à toa. Sua crença na volta da democracia está forte; suas fichas, depositadas no Brizola. Será que agora vai? O voto para presidente vai voltar a ser direto?
Não foi; as consequentes Diretas Já foram um sucesso de um fracasso global.

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Dezesseis de agosto de 1992. Pedro e sua turma se divertem, vestidos de preto e com os rostos pintados da mesma cor. O sinal de luto é contra a corrupção: neste domingo negro, o tiro de Collor saiu, definitivamente, pela culatra.
O grito de guerra é entoado por todos: "ai, ai, ai, ai; se empurrar, o Collor cai".
A juventude não aguenta mais; são muitas as denúncias de corrupção. São muitos os pais que perderam seus ativos financeiros, o dinheiro depositado em bancos foi confiscado, passaram de ricos a pobres da noite para o dia. A culpa é de quem? Ora, só pode ser de quem decretou o confisco. Fora, Collor!
Um mês e treze dias depois, eLLe caiu (infelizmente, em 2007, retornou à vida política, mas isso é outra história. Ou não).

...

Cinco de outubro de 2002. A Constituição Federal está perto da sua maioridade, e a expectativa é grande para as eleições: afinal, pela primeira vez ele tem grande chance de ser escolhido Presidente da República.
Manifestações desse ímpeto são proibidas; a lei seca está em vigor, mas sempre há um jeitinho (ainda mais para aqueles a quem é vedado o direito de beber por natureza - ou melhor, pela faixa etária).
Felipe e seus amigos distribuem panfletos, bottoms, ocupam esquinas, fazem bandeiradas, apitaços, compram os cds com os jingles da campanha... Engajam-se, enfim.
E, surpreendentemente, dá certo. Digo...

...

Vinte de janeiro de 2012. Raul está sentado na sua cadeira, pensando. Decide agir. Afinal, quem o governo dos Estados Unidos (porcos imperialistas!) pensa que é para barrar seu acesso aos arquivos na internet? Ele nunca se sentiu tão afrontado na vida inteira, afinal, foi um direito conquistado a duras penas.
Abre o seu computador de última geração, conecta-se no Facebook e faz um longo texto, de quatro parágrafos, criticando os métodos empregados pelos Estados Unidos (porcos imperialistas!) na sua política com os demais países, bem como de direitos autorais. Entende que pode - e deve - baixar e acessar o que bem entender, independente do que os Estados Unidos (porcos imperialistas!) pensam.
Apesar de demorar muito tempo redigindo o texto (mais de cinco minutos, olha só!), fica feliz com o resultado final. Publica no seu mural e, satisfeito, vê os comentários dos seus amigos - virtuais - apoiando e concordando com as suas ideias.
Enquanto sua postagem é curtida, em pouco menos de cinco minutos, 1079 vezes e compartilhada outras 357, chega mais um convite de evento.
Ah, não! Mais uma marcha contra a corrupção e pelos direitos básicos da população? Esse povo, definitivamente, não tem mais nada pra fazer.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Amem


Seu céu é a Terra,
a vida presente.
A vida, um presente?
A vida, presente!

Contudo, mais que tudo,
o porvir lhe aflige;
à humanidade tenta legar
uma herança tão singela:
um mundo melhor
e uma vida mais bela.

É questão de princípio,
meio e fim também.
Respeita a todos - é verdade;
almejando ser respeitado.
Afinal, não é de liberdade
que se orgulha a sociedade?

Quer poder optar
em quem - ou se - acreditar.
Quer poder falar
que não mais existe
a Santa Inquisição;
mas todo dia
alguém insiste
em lhe fazer uma pregação,
tentando lhe salvar do pecado,
da liberdade de religião.

A essa altura, já é patente:
um deus não tem.
E que mal tem?
Não seria o essencial
ignorar o credo pessoal
e, simplesmente,
fazer o bem?

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ô classe desunida (ou Metamorfose espaço-tempo-laboral)


- Alô?
- Alô, bom dia!
- Bom dia!
- Que bom! Senhor, eu falo em nome da empresa X. Gostaria de lembrar que esta ligação vai estar sendo gravada e...
Tu tu tu.
01.
- Alô?
- Alô, bom dia!
- Bom dia!
- Senhora, eu falo em nome da empresa X.
- Qual? A Y?
- Não, senhora. A X.
- Ah, pensei que fosse a Y.
- Não, senhora. Obrigada pela atenção. Antes de mais nada, gostaria de lhe dizer que esta ligação vai estar sendo...
Tu tu tu.
02.
- Alô?
- Alô, bom dia!
- Bom dia!
- Senhor, eu falo em nome da empresa X.
- Como é?
- Eu falo em nome da empresa X. Gostaria de dizer...
- Seus safados!
- ... que esta ligação...
- Como é que vocês ainda têm a coragem de me ligar?
- ... vai estar sendo...
- Vocês são realmente uns caras-de-pau!
- ... gravada.
- Já não basta o processo? Seus filhos...
Tu tu tu.
03.

...

300.
"Que dia!".
Fila. Ônibus. Aperto. Trânsito. Congestionamento. Encoxadas. Cantadas (de pedreiro). Caminhada. No escuro.
Finalmente, casa.
- Boa noite, filho!
- Mãe, a internet passou o dia fora do ar!
- Ah, de novo? Essa operadora vai escutar umas poucas e boas! Me passa o telefone.

...

- Alô? A senhora é a titular?
- Minha filha, deixe de conversa fiada. Vocês são realmente uns sem-vergonha.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Cara e coroa


E daqui a quarenta anos
Onde você deseja estar?
(E onde estará?)
O que deseja realizar?
(E o que terá realizado?)
(E abandonado?)

Sonhos,
            Feitos.
Preocupações,
            Lições.

Devo fazer?
            Deveria ter feito.
Abro mão?
            Deveria ter feito.
Quando?
            Já passou?
Aproveito agora?
Mais tarde?
            Carpe diem
            - mas com responsabilidade.

As dúvidas atormentam
CotidianAmente
Já preocupada
Com o presente
Mas não nos deixando sentir
            Curtir
                        O momento
Adiando a vida
Aumentando o medo

Eis que um dia
Aquilo que era o futuro
Agora é o presente
Deixando o passado
No seu devido tempo-lugar:
O do passar.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Quanto mais queijo, menos queijo


Cinco da manhã. "Ticking away the moments that make up a dull day" começa a soar no alarme do seu celular - um Iphone 58G, última geração, presente da empresa no último Natal. Remelevanta-se, sonambulisticamente se dirige ao banheiro para duchar-ze e, em seguida, cumpre todo o resto do ritual previsto: ternocaféscovabeijonaesposabomdiaprosfilhospénatábua.
No caminho, um olho na estrada e outro no Ipad (esse foi aquisição própria). Ao ver as primeiras notícias (no Japão, já nem são tão primeiras assim), telefona à secretária para checar a agenda e ver as reuniões previstas, com as respectivas pautas. Em menos de cinco minutos, um SMS chega ao seu Iphone com todas as informações pedidas.
- Essa Lurdinha, tão eficiente...
É recebido no escritório com o primeiro cafezinho do dia, que "acabou de sair do fogo", como ritualisticamente diz a eficiente Lurdinha. Dirige-se à sala de reuniões e, às dez da manhã, já fechou mais negócios que seu pai conseguiu em quinze anos de empresa. Não tem sequer tempo para comemorar isso, afinal, para ele, não é nada além do que faz corriqueiramente.
Às onze, recebe uma ligação da esposa pedindo para buscar os filhos no colégio.
"Folgados! No meu tempo, ia de ônibus". No seu tempo, Sr. X, a violência era menor.
Como a aula termina ao meio-dia, sai pontualmente às onze e quarenta e cinco na sua Mercedes conversível, que faz de zero a cem em três segundos (apesar de nunca haver conferido isso, já que dentro da cidade não consegue atingir mais de quarenta). Por conta desse delivery de pimpolhos, volta "correndo" (dentro do limite ruaestabelecido de quarenta quilômetros por hora) para o escritório e, no meio do caminho, pede para a Lurdinha pedir o seu almoço: um sanduíche do McDonald's. É a terceira vez na semana, e ainda estamos na terça-feira.
A tarde corre inundada por novas notícias que, ao cair da noite, já são velhas; não desgruda os olhos do smartphone, tablet, gadget, ipad, iphone, que fome! Quando acaba a quinta xícara de café do dia, percebe que é hora de voltar para casa - momento em que o limite ruaestabelecido cai para quarenta horas por quilômetro. Não vai ser a primeira - nem a última - vez a pensar em levar um colchão inflável para a empresa e passar a dormir lá. Quem talvez não goste da ideia é a Sra. Y, mas é só contrargumentar que vai ganhar mais que fica tudo bem.
Ao chegar à casa, liga a TV no Jornal Nacional. A moça da previsão diz que o dia seguinte será de tempo bom: céu aberto e sol forte, ideal para ir à praia. Pergunta à Sra. Y se ela lembra a última vez que foram à praia, e não conseguem concordar se há dois ou cinco anos. E a conversa morre aí.
A vida corre e, no leito de morte, ele descobre que não importa o tempo da natureza estar ideal para uma praia se o tempo das pessoas não lhes permitir desfrutar de tal luxo. Pena que já é tarde demais.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Seleção natural


Sabe o que me impressionam? Os peixes. Sério, eles servem pra quase tudo. São deliciosos (eu, como um bom gourmet, haveria de começar com esse aspecto - desculpem-me os vegans, mas tudo que vem do mar empata na liderança das atrações gastronômicas com churrasco mal-passado; pois é, sabe aqueles que, de tão crus, você escuta gritar seu nome a cada garfada? Sensacional!); entretem; ornamentam; servem como presentes; não dão trabalho; e, principalmente, empregam-se em qualquer situação. Principalmente analogias e metáforas.
Os peixes servem como tradutor! - quem leu "O Guia do Mochileiro das Galáxias" confirma essa informação facilmente (quem não leu, não precisa passar da trilogia de cinco - recentemente lançaram o volume seis, escrito por outro que não o Douglas Adams, esse eu dispenso). Uma dica: nunca despreze a validade de um "Guia do Mochileiro das Galáxias"; ou vai me dizer que você nunca ouviu falar no dia da toalha (25 de maio)? Não? Será que sou tão nerd assim?
No Brasil, o peixe serve para descrever o time do maior jogador de futebol de todos os tempos - e você não tem ideia de como me doi escrever isso, são-paulino que sou (ainda bem que, a despeito de havermos igualado em títulos continentais, tenho mais mundiais. Pelo menos atualmente).
No mundo britânico, o peixe serve como um dos ingredientes principais de um dos mais tradicionais pratos de sua culinária: o fish 'n' chips (que, com a sua mistura peculiar e o 'n', sempre me lembra o Guns 'N' Roses).
Mas, principalmente, os peixes servem como analogias. E metáforas.
Quem nunca foi um peixe fora d'água? Há quem fique peixe numa situação qualquer; há, no entanto, quem morda a isca - e é desses que trato agora.
Já diria o grande mestre (ou doutor, ou bacharel, ou esculhambador) Falcão: homem é homem, menino é menino. Daí decorre o corolário: homem que não age como homem não se pode dizer homem. Aí entramos num sério problema da evolução humana.
Aprendemos com a tia Inês de Ciências que os peixes evoluíram até chegar ao Homo sapiens (tá, pulei algumas etapas, mas nunca fui muito bom mesmo nisso). No entanto, por se tratar de evolução, Darwin pode me confirmar que alguns vestígios sempre restam (afinal, o tempo, no quesito evolutivo, corre bem mais lento que no quesito cronológico humano - a não ser que você seja do sexo feminino e tenha mais de vinte e cinco anos). Um desses traços vestigiais, felizmente, diz respeito ao fato de escorregar. Sim, escorregar.
O homem, quando não age como homem (olha o Falcão aí!), se pressionado, a tendência é, fatalmente, escorregar. E ele escorrega. Ou então entretem; ornamenta; serve como presente; não dá trabalho; e, principalmente, emprega-se em qualquer situação. E, então, é um mero menino. Esperando evoluir.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Problema de identidade


Sempre acreditou piamente que conseguia imitar o Sílvio Santos com perfeição. Ora, quando criança, começou com os seus "rá-rái rirri Lombardi!" logo cedo; todo mundo, entre lágrimas e risos, comentava que o seu talento deveria ser cultivado e desenvolvido com o tempo; não se poderia deixar um menino daquele se perder.
Passou a improvisar microfones na lapela com o que via à frente (pedaços de cabos de vassoura, vidros de xampu etc.), adotando como vocativo - o que para os outros da sua idade era "barão", "véi", "cara", "macho" - Lombardi. Era mais ou menos assim:
- Lombardi, vi um desenho ontem, rá-rái... - e desatava a narração, entremeada de termos do seu ídolo.
O tempo corria e ele adquiria novos traços do seu espelho. Onde já se viu, um menino daquele tamanho andando só de terno? E cinza, ainda por cima? Chamava seu melhor amigo de Roque - e justamente daí veio o seu primeiro dilema. Roque, o original, morreu. E aí, o que fazer? Tinha que manter a coerência: era o fim da amizade. Sentiria a falta do amigo, mas era a vida. Pelo menos pra ele.
À medida que ia crescendo, entretanto, adquiria feições - físicas - próprias. A voz não era mais tão similar, a risada de quando em vez falhava e, o pior de tudo, as pessoas passaram a não rir mais de suas imitações. Talvez por não ser mais criança, elas não mais se compadeciam de suas performances (que agora beiravam o ridículo, hei de concordar). Cansou de ouvir sussurros escondidos de "quando ele vai crescer?".
Infelizmente, desde a crise do Panamericano, nunca mais vi Sílvio, o cover. Seria por vergonha de não poder assumir suas dívidas? Ou ele finalmente resolveu virar adulto?
Quem sabe talvez tenha preferido assumir outra identidade e, hoje em dia, esteja por aí, ainda sob a sombra de outrem, mas, despercebido, ninguém perceba quem ele realmente sempre tem sido: um Lombardi.