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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Sábado à tarde

Segundo meu amigo, aconteceu numa tarde de sábado. Sim, porque nas tardes de sábado estamos de braços abertos pras infinitas possibilidades do final de semana, cantarolando e imaginando a trilha sonora animada, regada a petiscos e outras companhias, distraídos com a diversão futura (e sem pensar na ressaca consequente). É aí, então, que acontece.
Naquele sábado, diz meu amigo, o amigo dele estava se sentindo bem: era a sensação que só um céu azul ensolarado de uma tarde de sábado nos traz. Não havia nem mesmo resquícios de que algum dia já existiram nuvens no horizonte, o teto da cidade era todo de um azul sem igual, como se estivesse convidando para um banho de mar na Praia do Futuro. Na verdade, ele (meu amigo!) jura de pé junto que o amigo dele ouviu o sol chamando - disse inclusive qual seria a melhor barraca.
- Boooooorn to be wiiiiiild! - gritava a plenos pulmões, a janela do carro aberta, as paisagens e os outros carros ficando para trás - Get your motor running, head out on the highway. Lookin' for adventure in whatever comes our way! Uoooou, essa música deixa a gente realmente no clima.
Nada impediria a diversão daquele sábado à tarde. Já estava a caminho do sol, do mar, do encontro com os amigos e com a felicidade que a vida nos proporciona em momentos como aqueles, únicos - mas que se repetem de sete em sete dias, quando o céu permite.
Eis que (ah, as adversidades com que a vida nos brinda às vezes!) telefone tocou. Ele (o amigo do meu amigo) nunca gostou de atender telefonemas enquanto dirigia, mas naquele dia estava tão distraído, tão de bom humor, que resolveu dar uma chance àquele que resolveu se intrometer naquele momento de transbordante euforia. Na verdade, pensou mesmo que poderia contagiar um pobre necessitado de um simples lazer. Mas era apenas a sua mãe.
- Filho?
- Ahn... Oi, mãe.
- Que som é esse? Tá numa festa uma hora dessas?
- Quê?
- Abaixa esse volume!
- Peraí, mãe, que eu não tô ouvindo nada. Deixa eu abaixar aqui um pouco o som... Pronto, diga.
- Filho, você pode me fazer um favor?
Ah, o que seria das tardes de sábado sem os seus favores familiares?
- Agora?
- O mais cedo possível.
- Tá, diga.
- Você pode passar na casa da costureira, pra pegar uma encomenda pra mim?
- Posso, mãe - Que mais poderia falar? - Onde é?
- Filho, eu não sei onde é... Mas sei como chegar lá. Você faz o seguinte: vai pela rua da Lurdinha, sabe qual é?, vai nela até chegar na altura daquela churrascaria que eu ia com seu pai quando você e sua irmã eram mais novos, lembra?, chegando nela, dobra à direita, anda mais uns três quarteirões, ou são quatro?...
- Mãe...
- ... três ou quatro, não lembro, sei que você dobra à esquerda numa casa que sempre tem uma velhinha de cabelo branco na frente, acha que tá no interior, nem parece que tá tudo tão perigoso, então você passa uns três sinais...
- ... mãe...
- ... depois pega o primeiro retorno, cuidado nessa hora, tem muita batida, espera até dar certo passar...
- MÃE!
- Oi, filho?
- A senhora pode me dizer o telefone dela, que eu ligo e pego o endereço!
- Ah, tá. Anota aí: Adalgisa...
- O quê?
- Adalgisa! É o nome dela.
Depois, disse o telefone da costureira e desligou. O amigo do meu amigo não tinha onde anotar e ficou com aqueles dados na cabeça, utilizando uma tática de memorização que aprendeu quando era criança: "repetir a informação a cada cinco minutos, por três ou quatro vezes". Assim, nunca esquecera o telefone de ninguém.
Acontece que, naquele sábado à tarde, ele estava mais concentrado nas ondas do mar. E, ao abrir os olhos, ainda de manhã, botou na cabeça que nada o desviaria do seu foco: o azul do céu o dirigiria às dunas da Praia do Futuro. A solução seria, então, ir à praia e, no retorno para casa, passar na costureira. Para isso, não poderia esquecer nome nem telefone - sedimentos facilmente transportáveis pelas ondas do mar.
Ainda bem que utilizara eficazmente a técnica de memorização e conseguiu chegar à praia ainda se lembrando da Adalgisa e seu telefone. Mas, temendo o pior, mal cumprimentou seus amigos, pegou o primeiro pedaço de papel que viu na mesa e anotou as informações. Pronto, agora sim: poderia desfrutar aquele momento tão esperado desde o longínquo sábado anterior.
Uma certa altura, sol perto de se por, o arrebol estimulando os pensamentos dos corações apaixonados, as câmeras fotográficas apontadas para o horizonte, viu uma das meninas (Ísis? Bárbara?) de posse do guardanapo em que fizera as anotações. Felizmente, a mancha do excesso de batom retirado não foi suficiente para atrapalhar a leitura; parecia mais uma declaração de amor.
A turma foi das últimas a sair da praia naquele sábado à noite (sim, porque a tarde já se fora, juntamente com o sol). O amigo do meu amigo até carregou consigo o guardanapo, mas distraído, divertido, realizado, se esqueceu de passar na costureira. Seguiu direto para a casa da sua namorada, que, ao entrar no carro, até hoje não acredita que a "Adalgisa do beijinho" era só uma costureira.
Ela virou ex, e o amigo do meu amigo jura de pé junto que é tudo verdade.