(Aldemir Martins, Caranguejo) |
“Pior do que a raiva é a tristeza”. Essa é uma
verdade que se aplica a todos os relacionamentos, inclusive aqueles
que envolvem um homem e sua cidade. E é, exatamente, como eu venho
me sentindo.
Ando triste contigo, Fortaleza. Tu, que sempre foste minha fiel
companheira, por quem sou perdidamente apaixonado desde que nasci;
tu, que foste homenageada por mestres de tantas artes, cantores,
escritores, pintores, devido à tua história de dar
orgulho aos teus filhos (naturais ou adotivos) e à tua beleza
inigualável; tu, que frequentemente posas em capas de revistas
e estás acostumada a receber, de braços abertos, quem
te visita; tu, Fortaleza, tens, no entanto, tratado mal os que
te amam.
Sei que a culpa não é exclusivamente tua – é
mais nossa, para falar a verdade. Mas é que fomos educados a
frequentar tuas praças e parques quando crianças,
jogar bola nas tuas ruas (e só parar quando, eventualmente, um
carro teimasse em aparecer, que era prontamente vaiado para que não
ousasse retornar tão cedo), ir à vendinha da esquina
comprar balas sem calibre e com açúcar, pegar ônibus
para ir a qualquer lugar e a qualquer hora. Fomos educados a te viver
e a te curtir, Fortaleza.
Cedo aprendemos que o teu caranguejo mais saboroso se encontrava
quinta à noite na Praia do Futuro; que nas férias tu
não paravas: de segunda à segunda, podias ser
desfrutada, tivesse dinheiro ou não teu filho. Jovens,
sonhávamos em adquirir a independência (“mãe,
vou sair. De ônibus mesmo, volto mais tarde”). Não
havia problema nisso, não havia perigo: era nosso sonho!
Era.
Hoje, nada disso existe mais. Teus filhos deixaram de te usufruir,
minha Fortaleza. Passamos a viver encastelados, reclusos em pseudo
paraísos com grades, fumês, seguranças armados,
cães e câmeras vinte e quatro horas. Isso foi antes ou
depois dos teus maus filhos começarem a te violentar
sistematicamente, minha Fortaleza?
E isso importa? O que importa é que já não
posso andar feliz junto a ti. Flagro-me desviando caminhos, evitando
pedaços teus que fazem parte da minha vida; me pego nervoso ao
ter que te encontrar em cantos sabidamente indesejáveis – e
eu, um ateu convicto, me vejo nesses momentos rezando fervorosamente.
A verdade, minha Fortaleza, é que já não sei se
o caranguejo de quinta à noite na Praia do Futuro ainda é
o melhor; não sei se há vendinha na esquina e se ela
comercializa balas doces ou apenas as de grosso calibre; nunca tive
meu carro vaiado por crianças jogando bola na rua (elas ainda
jogam bola fora de seus computadores, videogames e tablets?) nem me
atrevo a passar dois minutos sequer em tuas paradas de ônibus.
Ando te evitando, minha Fortaleza. Foi ótimo enquanto durou,
mas estou triste contigo. Mando notícias de onde eu for. Porque, por mais que me doa dizer isso, hei de admitir: nosso
relacionamento, infelizmente, chegou ao fim.
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