(Raimundo Cela, Duas épocas)
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É Natal. Todos
festejam. Não sei qual é a causa de tanta festa. Já comemorei o nascimento de
Cristo outrora, mas agora não tenho motivos suficientes para tanto. Afinal,
minha vida resumiu-se a ver o sol nascer quadrado todos os dias depois de um
acontecimento.
Há cinco
anos, minha vida estava razoável. Morava em um barraco, no Morro da Mangueira. Constituía
família, com cinco filhos nela (um deles estava com câncer). Eu saía,
trabalhava, vivia feliz e conseguia dormir. Até a chegada do fatídico Natal de
1995.
Meu filho
doente pediu-me um rádio de presente. Mesmo sem dinheiro, não consegui recusar.
A vida dele já era tão sofrida! A recusa de um simples rádio o faria ficar mais
deprimido ainda.
Saí,
procurando um rádio barato. Mas todos custavam mais do que eu podia pagar.
Tentei fazer
algumas horas extras no meu trabalho, a fim de que pudesse arrecadar mais
dinheiro para pagar o rádio, mas mesmo assim ainda não dava. Entrei em
desespero.
Surgiu-me
a péssima idéia de roubar. Se não fosse por ela, hoje estaria comemorando o
Natal em casa, com a minha família. Mas o que um pai não faz por um filho? Ainda
mais por um com doença tão grave!
Enquanto corria,
deixei-me levar pelo pensamento e fiquei imaginando a satisfação do meu filho
ao receber o tão esperado presente. Pensei tão fixamente a ponto de não ter
visto a aproximação dos policiais. Lutei, mas foi em vão. Quando percebi, já
estava algemado. Levaram-me preso.
Tentei explicar
ao delegado a minha situação, na esperança de que o espírito natalino o fizesse
ter compaixão alguma vez na vida. Mas ele disse todas as histórias de
policiais, que a lei tem que ser cumprida, roubar não é justo... Enquanto ele
falava, pensei: “mais vale um rádio do que a felicidade de uma criança? Essa
sociedade está errada!”.
No primeiro
ano, minha família ainda me fazia visitas. Mas, agora, todos ficam em casa. Até
acho que minha mulher conseguiu outro marido, mas rico, que consegue pagar tudo
para ela e satisfazer meus filhos. Será que eles não entendem que roubei pela
felicidade da família?
Então,
feliz Natal. Para você, pois não tenho motivos nem força para tal comemoração.
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Garimpando, meus pais acharam esse texto meu, escrito
no ano de 2000, para participar de um concurso literário. Sem qualquer juízo de
valor, publico-o aqui, para leitura de todos. Não sei se vocês gostarão, mas eu
me diverti bastante resgatando essa parte da minha história.
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