Não era porque eu me julgasse melhor do que ninguém, mas, bolas!,
naquela noite nada iria sair do meu controle. Nunca fui metrossexual
(sei nem o que isso significa, juro!) nem supersticioso, mas trajava
a roupa que, até então, estava invicta. Nem demorei muito para
escolhê-la; ela, na verdade, mostrou-se para mim assim que abri o
armário, e, como se já estivesse comigo na mesa do bar, me desafiou
com a pergunta:
- Não é hoje que você vai dar sopa pro azar, né?
Não, definitivamente não seria. Vesti-a (caiu como uma luva!) e
prontamente fui para o segundo e último tempo daquele momento
pré-noitada: pratiquei o que considero o "paradoxo capilar".
Este consiste, resumidamente, em você demorar tempo suficiente
arrumando o cabelo para dar a impressão de que você não arrumou
nada. Entendeu? Prometo que isso não é complexo, se quiser ensino
depois.
Depois, as derradeiras: carteira, chave do carro, telefone, odores e
auto-estima juntaram-se a mim e me acompanharam até o bar de sempre,
com o garçom de sempre, a bebida de sempre e a mesa variável. Mas,
naquela noite especial, a sorte mais uma vez me sorriu: embora o bar
estivesse apinhado de gente - como sempre -, a mesa que surgiu e se
ofereceu para mim foi a mais central de todas, com nada mais, nada
menos do que duas cadeiras vazias, que logo me deram a entender que
seriam a minha e a dela.
Sentei-me e, enquanto as caixas de som criavam o clima perfeito,
entoando Bon Jovi e seu hino Always, aguardei a chegada do grande
companheiro Tobias. Este, quando rapidamente apareceu, já trouxe de
bandeja uma véu de noiva e dois copos, prevendo aquilo que
certamente aconteceria ao longo da noite. "Ah, grande Tobias,
você me conhece bem!", e a resposta dele, também mentalmente,
foi um simples sorriso.
O tira-gosto não tardou também a vir: um coração de frango para
hipertenso nenhum botar defeito. Pronto, agora só faltava aquela que
sentaria na cadeira ainda desocupada. Mas, do jeito que a sorte
estava do meu lado, nem precisaria de muito esforço, bastaria sorrir
e esperar.
Foi quando a avistei. Na hora, percebi logo que não era nenhuma
Bárbara Evans, mas também não chegava a ser uma Rossicléa. A
poucas mesas de distância, junto com outras amigas, vi no seu perfil
a companheira ideal para o resto da noite. Estava claro que ela se
entregaria fácil ao meu charme, charme que estava ali, a seu inteiro
dispor, para dar à sua noite o que ela estava precisando para ser
feliz. Agora, então, seria apenas sorrir. E esperar.
Longe de um tradicionalismo monogâmico e querendo iniciar um
ridículo, mas necessário, joguinho amoroso, passei a flertar com
todas as mulheres da redondeza, mas com os olhos vidrados naquela que
havia escolhido como a vítima da noite. Não importava que as demais
correspondessem à falsa paquera: na verdade, meu olhar soslaiamente
desviava para a minha musa mediana.
Os goles de cerveja aumentavam, o copo esvaziava mais rápido e o
tira-gosto já estava perto do fim. O Tobias começava a se
impacientar, enquanto eu ia ficando inquieto com a falta de atitude
da eleita. Esperava há algum tempo, sem entender o que ela queria
além de mim: ainda que existisse algo a mais - o que, diga-se de
passagem, é bastante improvável, para não dizer impossível -, ela
não estaria à altura. Ora, ela só me tinha por mera liberalidade
(por que não dizer bondade?) minha.
Meia agoniante hora se havia passado, e nada de ela corresponder aos
meus olhares - que iam ficando cada vez mais diretos, à medida que
as garrafas se somavam à minha frente. O coração já tinha ido
todo embora, e agora eu comia, mesmo sem fome, apenas as folhas de
alface que haviam restado na bandeja, fechado no meu mundo de
inquietação e dúvida. Mas o pior mesmo era o risinho de escárnio
do Tobias.
De repente, no entanto, uma centelha de esperança: o que antes eram
olhares unilaterais passou a ser recíproco. A correspondência
trouxe de volta a minha auto-estima, e os sorrisos se multiplicaram
ainda mais quando, no intervalo entre um olhar e outro, eu a via
trocando confidências com as amigas, apontando em minha direção.
Naquele momento, eu tive a certeza de que aquela seria mesmo a minha
noite.
O encontro de olhares continuou por longos minutos, que pareceram uma
eternidade, e quando o Tobias, desistindo de esperar, veio em minha
direção para retirar a cadeira e o copo sobressalentes (que nessa
hora, ironicamente, registravam a presença de uma ilustre mosquinha,
espectadora do improvável), ela pareceu adivinhar a atitude daquele
garçom atrevido e a ele se antecipou:
- Com licença...
Ah, a sensação de dever cumprido. Meu sorriso involuntário
certamente entregou tudo que meu silêncio ocultara.
- Não sei nem como te dizer isso...
Não precisa dizer nada, minha querida. Sente-se e, sem mais
delongas, vamos ao que interessa. Você já perdeu tempo demais!
- Mas é o seguinte...
O óbvio não precisa ser dito. Vamos, vamos, vamos!
- O senhor está com um negócio verde no meio do seu dente!
Maldita! Queria era a minha mesa, aposto.