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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Códiba *

Olhou-se no espelho. Viu rugas, preocupações, cabelos brancos. E malas. Incontáveis. Imprescindíveis. Aos trinta anos, fazia a autoanálise irrefutável a essa idade. E, como todos, chegava à conclusão óbvia: a do envelhecimento.

Mas não estava triste com isso; ao contrário, chegava aos trinta satisfeito. Havia aproveitado a vida o máximo que pudera – e isso não significava uma "porra-louquice" desenfreada, porres inenarráveis, passos sem sentido... Em verdade, fizera o que lhe fora permitido. O que se permitira.

Aquela pergunta lhe perseguia cotidianamente já há algum tempo. "O que ele faria em meu lugar?", indagava-se rotineiramente, sempre que se via enredado em alguma situação cabulosa, sinuosa, misteriosa, gostosa...

E, ao se perguntar, via mais e mais bagagens se acumulando. Os chamados "princípios", que não entendia quando criança, mas que agora faziam cada vez mais sentido; as lições - de moral e de conduta, assim como de raciocínio, ensinadas dia após dia, em um recompensador exercício diário (que exigia, a bem da verdade, bastante paciência).

Ao ver o acúmulo de malas, percebia que algumas delas aumentavam com o tempo. "Faça o que eu digo, não faça o que eu faço" era o dito popular mais empregado (e mais adequado) à situação. Passou a ser bem mais compreensivo - e ainda mais amigo - ao perceber isso.

E, ao contrário do que dizem, isso não o fez perceber a humanidade do seu ídolo; ao revés, aumentou ainda mais a sua idolatria, pois, ao sabê-lo humano, quis atingir a sua perfeição idealizada e mentalizada (a despeito de ter pleno conhecimento de ele ser imperfeito) em outro ser humano, tão próximo de si.

Engraçado que, às vezes, a proximidade é relativa. Quando mais novo, era ainda mais latente; mas a sua ignorância juvenil o afastava da apreensão do que realmente importava. Agora, aos trinta, via que não era necessário um contato vis-à-vis cotidiano; bastavam algumas palavras, um sorriso, um olhar, que ele percebia. E entendia perfeitamente.

Aos trinta anos, continuava fazendo a pergunta: "O que ele faria em meu lugar?". Com um adendo: agora, já achava que sabia a resposta.

* Ao primeiro e melhor amigo.

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