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quarta-feira, 25 de maio de 2011

Homenagem póstuma

No leito de morte, estava inclinado a obedecer ao clichê. Aquilo o corroía por anos, e nunca soube como contá-lo à Alvinha, pois tinha certeza absoluta que ela perderia as estribeiras, já que seu ciúme doentio não era segredo. Sempre adiara a conversa. Até aquele momento. Afinal, tudo se perdoa a um morto, não é mesmo? E ele já nem tinha tanto tempo assim.

Acontece que eles tinham um casal amigo, Bernardo e Julieta - aquele casal com o qual sempre iam a restaurantes, viagens, cinema. Que não perdia um aniversário, que sabia todas as datas festivas, que sempre eram os primeiros a parabenizar e ligar em qualquer ocasião. Que tinham a chave de casa para qualquer eventualidade. Que eram conhecidos por todos como os futuros padrinhos de seus filhos.

Mas - e aqui entra mais um clichê, o do mas - veio aquele acontecimento. O fatídico. O impensável. O até então não revelado. E que passou a lhe acompanhar diariamente.

Os casais estavam mais unidos do que nunca. Ligações diárias, saídas semanais, as mulheres fazendo compras juntas, os homens vendo futebol e tomando a sagrada geladinha...

Pobre Alvinha! Nunca teve o menor indício. Também, pudera! Já pensou o escândalo que seria? Sempre viveram tão bem...

Pensando assim, será que valia a pena contar? Ele iria partir; já ela permaneceria, com aquela ideia eternamente a atormentá-la. Não, era melhor silenciar. O que ele ganharia com isso?

De repente, a pontada e o clarão. De uma vez, resolveu falar - não se sabe se voluntária ou involuntariamente, só que simplesmente saiu:

- Alvinha, uma noite eu sonhei com a Julieta...

E não conseguiu dizer mais nada.

No mês seguinte, já era fato notório o escândalo. Alvinha e Bernardo. Há cinco anos.

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