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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Um mal súbito

Era uma fria tarde de outono – apesar de aquele vilarejo, nos cafundós, onde o Judas perdeu as meias, não fazer a menor ideia do que significavam duas dessas palavras, pois havia adotado um calendário diferente sobre as estações do ano, pelo qual reconhecia claramente as seguintes: quente, muito quente, seco e mormaço. No entanto, naquele dia, fazia frio e era outono (talvez para enquadrar a história nesse tipo de texto, porque coincidentemente sempre é assim).

Apesar de ser uma quarta-feira, Lurdinha vestiu a sua roupa dominical e saiu de casa. Não sem antes haver passado longas duas horas cumprindo o típico ritual feminino, que independe se na cidade ou no campo; se praticado por jovens, senhoras ou idosas; se dispendioso ou não; sempre acontece.

Enquanto se arrumava, pensava na efemeridade da vida. Quer dizer, pensava que a vida é um bicho estranho, mode que do jeito que vem, vai – pois, com certeza, efemeridade lhe pareceria mais como um palavrão. E pode acontecer com qualquer pessoa a qualquer momento! Imagina só, o Dudu!

Tá certo, ela não o conhecia bem; mas ele era vereador! Filho da Dona Carola, vizinho da Sebastiana, havia ajudado a construir a escolinha que os filhos do Dão, seu vizinho, haviam estudado. E, de repente, trabalhando, aconteceu aquilo – como era o nome? Enfarte. Infarte. Enfarto. É, era isso. Enfarto. Fulminante. Um negócio no coração - parou de bater de uma vez. Não teve jeito, ninguém conseguiu reviver o moço.

Tinha saído até no Jornal Nacional. Um feito inédito: era a primeira vez que Costela de Cobra aparecia para o resto do Brasil. Tudo por causa de Dudu e seu infarte fulminante.

Quando se despediu do Rambo, o vira-lata abanou seu rabinho e a seguiu. Como sempre, não a abandonaria. Suspeita-se que, por falta de outros afazeres, Rambo preferia acompanhar a sua dona. Comentários maledicentes asseveravam o contrário – ela é que não conseguia fazer nada sem seu Sancho Pança canino.

O vilarejo estava imerso em um caos silencioso. As crianças que estudavam faltaram à escola, as lavadeiras mantiveram os tanques vazios (enquanto se portavam como Lurdinhas), as fofoqueiras de plantão (as há tanto no meio citadino como no rural) postavam-se – e prostravam-se – às calçadas. Apenas os cabras da peste, com dez bocas para sustentar, continuavam preocupados com o roçado e o dicumê. Afinal, “besteira é essa de sair na televisão só por causa do dotô?” Oxe, e num é que todo mundo vai morrer um dia?

A verdade é que, quando o séquito passou, todo mundo parou: preocupados e despreocupados; crianças, jovens e velhos; homens e mulheres. Mas a parada foi momentânea, diferente da que vitimara Dudu: todos se puseram a acompanhar o cortejo, inclusive Lurdinha – que, não se sabe o porquê, estava taciturna, sorumbática. Macambúzia mesmo.

Fez questão de fazer a sua primeira e última homenagem ao defunto vereador, esperando três horinhas, junto com Rambo, na fila em frente à igreja. Calada, passou pelo caixão, cruzou seus olhos com os dele e, ao levantar a vista, não deu outra: apaixonou-se.

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