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domingo, 1 de janeiro de 2012

Problema de identidade


Sempre acreditou piamente que conseguia imitar o Sílvio Santos com perfeição. Ora, quando criança, começou com os seus "rá-rái rirri Lombardi!" logo cedo; todo mundo, entre lágrimas e risos, comentava que o seu talento deveria ser cultivado e desenvolvido com o tempo; não se poderia deixar um menino daquele se perder.
Passou a improvisar microfones na lapela com o que via à frente (pedaços de cabos de vassoura, vidros de xampu etc.), adotando como vocativo - o que para os outros da sua idade era "barão", "véi", "cara", "macho" - Lombardi. Era mais ou menos assim:
- Lombardi, vi um desenho ontem, rá-rái... - e desatava a narração, entremeada de termos do seu ídolo.
O tempo corria e ele adquiria novos traços do seu espelho. Onde já se viu, um menino daquele tamanho andando só de terno? E cinza, ainda por cima? Chamava seu melhor amigo de Roque - e justamente daí veio o seu primeiro dilema. Roque, o original, morreu. E aí, o que fazer? Tinha que manter a coerência: era o fim da amizade. Sentiria a falta do amigo, mas era a vida. Pelo menos pra ele.
À medida que ia crescendo, entretanto, adquiria feições - físicas - próprias. A voz não era mais tão similar, a risada de quando em vez falhava e, o pior de tudo, as pessoas passaram a não rir mais de suas imitações. Talvez por não ser mais criança, elas não mais se compadeciam de suas performances (que agora beiravam o ridículo, hei de concordar). Cansou de ouvir sussurros escondidos de "quando ele vai crescer?".
Infelizmente, desde a crise do Panamericano, nunca mais vi Sílvio, o cover. Seria por vergonha de não poder assumir suas dívidas? Ou ele finalmente resolveu virar adulto?
Quem sabe talvez tenha preferido assumir outra identidade e, hoje em dia, esteja por aí, ainda sob a sombra de outrem, mas, despercebido, ninguém perceba quem ele realmente sempre tem sido: um Lombardi.

Um comentário:

CanecaJr disse...

Supreendente. Valeu, Rafael.