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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

TEXTO ANTIGO - Conto de Natal I

(Raimundo Cela, Duas épocas)

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É Natal. Todos festejam. Não sei qual é a causa de tanta festa. Já comemorei o nascimento de Cristo outrora, mas agora não tenho motivos suficientes para tanto. Afinal, minha vida resumiu-se a ver o sol nascer quadrado todos os dias depois de um acontecimento.
Há cinco anos, minha vida estava razoável. Morava em um barraco, no Morro da Mangueira. Constituía família, com cinco filhos nela (um deles estava com câncer). Eu saía, trabalhava, vivia feliz e conseguia dormir. Até a chegada do fatídico Natal de 1995.
Meu filho doente pediu-me um rádio de presente. Mesmo sem dinheiro, não consegui recusar. A vida dele já era tão sofrida! A recusa de um simples rádio o faria ficar mais deprimido ainda.
Saí, procurando um rádio barato. Mas todos custavam mais do que eu podia pagar.
Tentei fazer algumas horas extras no meu trabalho, a fim de que pudesse arrecadar mais dinheiro para pagar o rádio, mas mesmo assim ainda não dava. Entrei em desespero.
Surgiu-me a péssima idéia de roubar. Se não fosse por ela, hoje estaria comemorando o Natal em casa, com a minha família. Mas o que um pai não faz por um filho? Ainda mais por um com doença tão grave!
Enquanto corria, deixei-me levar pelo pensamento e fiquei imaginando a satisfação do meu filho ao receber o tão esperado presente. Pensei tão fixamente a ponto de não ter visto a aproximação dos policiais. Lutei, mas foi em vão. Quando percebi, já estava algemado. Levaram-me preso.
Tentei explicar ao delegado a minha situação, na esperança de que o espírito natalino o fizesse ter compaixão alguma vez na vida. Mas ele disse todas as histórias de policiais, que a lei tem que ser cumprida, roubar não é justo... Enquanto ele falava, pensei: “mais vale um rádio do que a felicidade de uma criança? Essa sociedade está errada!”.
No primeiro ano, minha família ainda me fazia visitas. Mas, agora, todos ficam em casa. Até acho que minha mulher conseguiu outro marido, mas rico, que consegue pagar tudo para ela e satisfazer meus filhos. Será que eles não entendem que roubei pela felicidade da família?

Então, feliz Natal. Para você, pois não tenho motivos nem força para tal comemoração.

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Garimpando, meus pais acharam esse texto meu, escrito no ano de 2000, para participar de um concurso literário. Sem qualquer juízo de valor, publico-o aqui, para leitura de todos. Não sei se vocês gostarão, mas eu me diverti bastante resgatando essa parte da minha história.

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