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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Chico da Matilde


Olhava desolado aquele amontoado de tijolos semipintados. Alguns deles conservavam as cores de outrora; outros pareciam haver desbotado há séculos, deixando incógnito a um turista o significado que tal monumento possuía há menos de uma década.
Ele, no entanto, era um nativo. Conhecia bem a importância daquela estrutura, menos pela sua imponência arquitetônica, mais pelo que traduzia e lembrava de suas recordações. E, ainda bem, era do tempo em que as lembranças iam bem mais além do que bits, bytes e emoticons - um tempo em que a realidade ousava ser bastante diferente do virtual.
Com as mãos entrelaçadas segurando os joelhos dobrados, espiando às vezes o horizonte, estava sentado naquilo que costumava ser grama, mas que agora, com muita bondade, podia ser no máximo uma terra com um matinho ralo. Não pôde deixar de sorrir, ainda que de canto de boca e involuntariamente, ao perceber o matinho ao seu redor. Via o cheiro de tempos passados, e ele se misturava com os amargos gostos daqueles tempos.
Gostos que antes traziam em si o sabor da descoberta, as ressacas e as dores de cabeça das paixões adolescentes, os problemas diminutos que se apresentavam gigantescos, as personalidades formadas e as amizades forjadas em copos de bar - algumas eternas, outras desfeitas tão logo esgotados os centavos que as mantinham.
Era, enfim, uma época em que sonhava utopia e realizava ideais. 
Entretanto, hoje em dia, não sabe o que mudou; não sabe o que, mudou. Não sabe como mudou; não sabe como, mudou. Não sabe quanto mudou; não sabe quanto, mudou. Não sabe quando mudou; não sabe quando, mudou. Só sabe que mudou. O mundo. Seu mundo. Ele.
Observava, então, os destroços que o rodeavam. Pedaços de história e fragmentos de memória se confundiam na sua mente, tentavam revelar aquele que talvez tenha sido no passado (ou que tenha tentado ser), trazendo um aperto no peito e ofegando cada vez mais a sua respiração.
A calma só foi restabelecida quando ouviu de um menino que se aproximou, vindo não sei de onde:
- Tio, passa a grana de bico fechado senão eu te furo.
Certas coisas, felizmente, nunca mudam.

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