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segunda-feira, 11 de março de 2013

Felicidade conjugal


Seu Zeca e Dona Maria formavam um belo casal - talvez o mais longo que eu já tenha conhecido na minha vida. Aliás, tudo relacionado à vida de ambos foi bastante duradoura. Conta-se inclusive que, certa vez, Dona Maria, triste com o passamento daquele que fora seu companheiro por mais de oitenta anos, disse que Seu Zeca partira por problema renal. E completou: "essa nossa família tem esse rim assim, fraco". 
Adotei ambos como meus terceiros avôs (ou, antes: eles me adotaram como mais um neto) e, quando criança, meu maior orgulho era espalhar que eles eram vizinhos de uma das maiores personagens vivas do Ceará: o Seu Lunga - ah, a simplicidade infantil. Confesso: inventava para os meus coleguinhas, para melhor passar, que, sempre que os visitava, me encontrava com o Seu Lunga, seja na calçada, seja mesmo na loja do Seu Zeca. E, naquela tenra idade, isso era suficiente para me render atenção e fama.
O tempo passou e o meu orgulho deles, hoje em dia, mudou a sua origem: decorre dos seus ensinamentos (e não foram poucos). A maioria deles ligada à felicidade conjugal.
Uma dessas lições me foi repassada em pessoa pelo próprio Seu Zeca. O dia, como costumava ser, era domingo. A família estava toda reunida, a mesa posta e o São Geraldo (de vidro, claro!) despejava nos copos. Enquanto as conversas e as risadas corriam solta ao redor da mesa, as esposas serviam os pratos de seus respectivos. Ao presenciar aquela cena, Seu Zeca disparou:
- Nunca!
As vozes silenciaram, apenas uma risadinha tímida quis cortar a bola de feno que atravessou a sala de jantar após o brado de Seu Zeca, logo interrompida pela sua fala firme:
- Nesses anos todos, nunca deixei a Maria fazer meu prato.
Um gentleman? Um cavalheiro de primeira classe que se revelava assim, tão de repente?
Um de seus filhos, surpreso, comentou:
- Que bonito, pai!
- Bonito, nada! - veio a resposta. Vai que eu me acostumo, um dia ela briga comigo e eu fico sem comer?
O maior dos ensinamentos, no entanto, eu lamento não haver presenciado. Assim, não sei se o repasso da forma como ocorrido o fato, mas o importante é que foi assim que o absorvi, passando a, desde então, carregá-lo comigo diariamente.
Alguém, um dia, tendo Seu Zeca e Dona Maria como baluartes de um matrimônio feliz e duradouro, quis saber o segredo de um bom casamento. Conversou isoladamente com a Dona Maria e, em resposta, obteve a declaração:
- Meu filho, vou lhe contar um segredo: sabe, eu adoro a pontinha do pão, mas sempre dou pro Zeca comer...
Ele fez cara de que tinha entendido, mas, na verdade, não entendera nada. O tempo passou e a tal pessoa, ainda com a pulga atrás da orelha, resolveu perguntar ao outro polo da relação.
Seu Zeca titubeou um pouco, pigarreou um pouco mais e finalmente decidiu falar:
- Meu filho, nunca falei isso pra ninguém, mas eu odeio a ponta do pão!

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